Família negra no Brasil

Por: Zulu Araújo

[Texto Edição 219]

O tema “Família negra no Brasil”, tem sido algo difícil, complexo e cheio de armadilhas para qualquer um que pretenda ir além dos cânones conservadores.

De qualquer ângulo, remete ao conceito original da família ocidental cristã, de como ele foi introduzido, negociado e adaptado no período escravocrata brasileiro e quais as consequências que essa adaptação produziu na formação da família tradicional brasileira e, em particular, da família negra.

Na Roma Antiga, família significava “o conjunto de empregados de um senhor”, até porque àquela época a exploração dos escravos era algo legalizado.

Como a escravidão no Brasil foi liderada, organizada e exercitada por europeus católicos, deduz-se que não houve de adaptar interesses econômicos provenientes do regime escravocrata, aos conceitos sociais e religiosos de família, no padrão católico, apostólico romano, que era constituída do casal (homem/mulher), sob a
liderança masculina e os seus filhos, considerados a base estrutural da sociedade brasileira, até os dias atuais.

A vida da família negra no Brasil está diretamente associada a resistência ao sistema escravista de um lado e a busca de enquadramento social/religioso de outro. Não à toa que são identificadas neste período inúmeras
fugas realizadas pelos escravizados “casados”, “amásios”, “mulheres negras grávidas”, “as vésperas de parir” e muitas vezes, levando consigo nestas fugas filhos ainda pequenos. Tratando-se ou não de famílias constituídas de forma consensual, nuclear ou parcial, a experiência da vida familiar foi importante para os negros, mesmo no período da escravidão.

Diante de tanta barbaridade da escravidão, quem perseverou e resistiu na busca e na manutenção das estruturas familiares foi a mulher negra. Mesmo depois de violentada, usada e abandonada a própria sorte, para que cumprisse apenas o papel de reprodutora de uma futura prole de escravizados, conseguiu estabelecer laços de fraternidade, importante em tempos em que a solidariedade e o amparo mutuo eram elementos
indispensáveis para a conquista da liberdade e uma vida com alguma dignidade.

Apesar da maioria dos negros/negras terem vividos em uniões consideradas “ilegítimas”, pelo fato da não realização do casamento católico, a comunidade negra encontrou, principalmente nos terreiros de candomblés, as autoridades para favorecer os romances, as conquistas amorosas e legitimar as uniões matrimoniais dentro de uma concepção afro-brasileira. Isso demonstra que, mesmo tratada como mera peça de uma engrenagem econômica, a comunidade negra brasileira interagiu, negociou, se contrapôs e até se submeteu ao sistema para fazer valer suas aspirações maiores de seres humanos e constituírem seus núcleos familiares. Novos desafios se apresentam. Família não é mais nem a celebração do casamento nem a diferença de sexo entre os pares, muito menos o envolvimento de caráter sexual. O elemento que distingue, até mesmo aos olhos da justiça é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo. Que assim seja.

Toca a zabumba que a terra é nossa.

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