Leia a entrevista com o rapper Dexter
Confira o que o rapper Dexter falou em entrevista à Raça
TEXTO: Maurício Pestana | EDIÇÃO: André Rezende | FOTOS: Rafael Cusato | Adaptação web: David Pereira
Marcos Fernandes de Omena tem 40 anos de idade, dos quais 13 vividos em cárcere privado. Foi criado em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, por sua mãe adotiva e duas irmãs. Dona Marina, então viúva, veio de Alagoas com suas outras duas filhas. Trabalhava como gari na prefeitura da cidade. Uma vizinha comentou que uma criança estava para ser adotada. “Ela me pegou com treze dias de vida e me criou muito bem, mesmo sendo uma mulher pobre”, relembra o rapper. A infância e parte da adolescência foram nas ruas de terra na favela do Jardim Calux. Soltava pipa, jogava pião, aprendeu muita coisa da vidadura. E sua mãe sempre o direcionou para o caminho do bem. Dexter também era um ótimo aluno. “Estudei até a quinta série e nunca repeti, sempre dei esse orgulho para a minhamãe, mas aí já vem a adolescência…”, diz. Tornou-se rebelde, queria sair, curtir as festas, as músicas, mas a mãe não deixava. Gostaria que ele fosse um cara comum da periferia, um operário padrão que ganhasse um salário mínimo e, como ela, frequentasse a igreja. Dexter não seguiu por esse caminho. Queria fazer outras coisas, queria liberdade. Foi morar com uma das irmãs e descobriu o mundo.
Conheceu o pai aos 17 anos e descobriu que também tinha irmãos. Com eles, criou afinidades, principalmente musicais. Em 1990, conheceu o rap. E foi em um domingo de manhã que ele escutou Pânico na Zona Sul, do Racionais MCs. “A música falou comigo, me chamou a uma responsabildade que eu percebia que tinha que ter, até porque era um jovem da periferia que sofria todas as mazelas impostas pelo sistema, mas eu não sabia como lidar com isso, como extravasar essas coisas que sentia”, afirma Dexter.
A partir daí, militou no movimento hip hop, criou seu primeiro grupo, o Snake Boys, e seguiu seus instintos, nem sempre corretos. Na prisão, fez história com o 509-E, gravou discos, viu e descobriu tudo o que se passa no sistema carcerário. Aprendeu outra realidade, reavaliou a sua própria. E deve tudo isso à música. “O hip hop salvou a minha vida.”
Veja trechos da entrevista com o rapper Dexter.
Quando o rap e o hip hop surgiram em sua vida?
O rap surgiu na minha vida em 1990. Em 1985 eu já tinha visto alguns grupos cantando, mas até então eu gostava da batida, a letra não tinha me chamado a atenção ainda, até o dia que ouvi Pânico na Zona Sul, do Racionais MCs, uma música que falava da ação da polícia, dos matadores como a gente chamava na época, e tudo aquilo que o Brown estava cantando eram coisas vividas por todos ali, estava cantando uma realidade do Capão Redondo, porém, era uma realidade, acredito eu, nacional. Quando ouvi essa música, foi como um despertar. Falei: “Poxa vida, esse cara está falando comigo, eu vivo tudo o que ele está cantando.” E já gostei da batida também, que sempre me tomou, foi naquele momento que decidi que era aquilo que eu queria fazer. “Poxa, esse cara é o colunista das ruas”, pensei.
Em pouco mais de dez anos que você ficou encarcerado, viu quando nasceu e como cresceu o crime organizado em São Paulo. Quer falar sobre isso?
As pessoas lá dentro se organizaram à sua maneira, entenderam que não podia continuar aquilo, que aquilo era algo programado pelo próprio sistema. Os próprios presos entenderam que não podiam continuar daquela forma; as pessoas perdendo a vida por nada, por banalidade. Eles se organizaram e foi decidido que ninguém morria mais dentro da prisão. Acho que foi importante essa decisão tomada pelas pessoas que se organizaram dentro dos presídios, porque ao sair você passa a preservar o bem maior do ser humano, que é a vida. Por esse motivo, e pela questão do crack não poder mais ser usado dentro da prisão, você passa a preservar as pessoas. Essas medidas foram mais eficazes. O Estado tecoloca lá dentro e você fica à mercê de sua própria sorte; as pessoas nem sempre são amigas, às vezes, você cria um inimigo. É uma coisa até que natural, você cria um inimigopela convivência, são homens jogados à própria sorte dentro de um cubículo onde deveriam dormir quatro e dormem vinte e cinco ou trinta. Chega uma hora que você se expõe com um companheiro de cela e isso pode causar um problema, porque a ordem na prisão é… Não é bem a ordem, mas já é do homem você querer ser mais homem que o outro, querer sempre ter razão. E é a hora que decisões são dadas e você tem que resolver isso. Na prisão não tem como deixar para depois.
Fale da experiência de criar uma biblioteca na prisão.
Cheguei em 2004 na penitenciaria em São Vicente e lá eu encontrei uma rádio interna onde alguns educandos desenvolviam trabalhos por lá. Por causa da música, me chamaram para trabalhar com eles. Quatro meses depois, consegui essa oportunidade com a diretora de educação, a doutora Janaina, uma pessoa maravilhosa que me ajudou muito também. Infelizmente, alguns meses depois, meus dois companheiros que trabalhavam comigo foram transferidos para outra cadeia e eu fiquei na linha de frente desses programas. Um programa interno, educativo e que passou, com a minha presença lá, a ser veiculado pelas rádios da região de São Vicente e Santos. Começamos a fazer o seguinte: tinha um espaço na sala de cultura que a gente conseguiu transformar em duas salas de aula e uma biblioteca. Eu tive uma ideia, a doutora Janaina também e nós fomos somando as ideias, pedindo autorização à diretora maior e, quando foi ver, a biblioteca e as duas salas de aula estavam prontas, construídas por nós, para nós.
Vamos falar de rap. Como surgiu o 509-E?
Foi uma história maravilhosa, costumo dizer que foi um prêmio na minha vida. O 509-E foi um grupo de rap criado dentro da casa de detenção, onde poucas chances existiam para quem estava lá, por isso, decidimos criar o grupo para que fosse uma chance para nós. Existia uma pessoa que trabalhava na casa de detenção na época, Sophia Bisilliat, que desenvolveu um projeto chamado Talentos aprisionados. Ela pegava as pessoas que queriam desenvolver a sua arte, o seu dom e apoiava, ajudava de alguma forma; levava para fora para desenvolverem seus dons. E quando ela conheceu o 509-E – que na época se chamava Linha de Frente – ficou super encantada com as letras, que, políticas, tinham um diferencial. Segundo ela, letras que eram possíveis de serem ouvidas e compreendidas de bate-ronto, não eram complicadas, pejorativas ou que vangloriassem o crime, fizessem apologia às drogas, não eram nada disso, eram outro tipo de música, outro tipo de mensagem, aocontrário de muita coisa que ela já tinha escutado. Daí, ela resolveu levar uma fita com essas músicas para o dono de uma gravadora, o Wilson Souto, da Atração. Foi quando eu lancei, de fato, o 509-E. A gente mudou o nome por uma questão de patente e tivemos a oportunidade de gravar.
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