O direito invisível da mulher negra
Artigo produzido para o mês da consciência negra por inciativa da Comissão de Igualdade Racial da OAB SP
Por: Lenny Blue*
A sociedade brasileira vivencia a desigualdade social embasada por elementos estruturantes como racismo e sexismo, com disparidades sociais aparentes. Na análise do processo histórico, constata-se o racismo estrutural como o fato potencializador da desigualdade no processo de envelhecimento e de entrave ao acesso das idosas negras às políticas públicas. As condições de raça e gênero influem de modo negativo nas experiências de vida das mulheres negras idosas, tendo em vista que a tripla vulnerabilidade se encontra embasada em históricas relações de subordinação coextensivas que reafirmam as consequências das iniquidades raciais, ensejando reconhecimento de especificidades inerentes a sua condição na sociedade.
As mazelas do envelhecimento são potencializadas na mulher negra, inclusa no rol de marcadores como: subemprego, desemprego, informalidade, ausência de políticas públicas e de acesso a saúde. O alijamento das mulheres negras idosas ao benefício previdenciário é só um dos exemplos cruéis das consequências do racismo estrutural. As mulheres negras em ocupações informais atingem 47,8% em comparação a 34,4% mulheres brancas, o que implica no indicador de 54,6% das mulheres negras idosas sem direito à percepção de benefício social previdenciário, atestando que a desigualdade racial se expressa, inclusive, no direito e qualidade do envelhecimento. Urge elucidar os tentáculos do racismo estrutural que se interseccionam com as constantes e invisibilizadas violações de direitos humanos fundamentais no processo de envelhecimento, a fim de traçar estratégias relevantes em processos de elaboração de políticas públicas efetivas para a população idosa negra.
Em contraponto à invisibilidade do tema, é dever da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) garantir a inserção e debates do fenômeno ‘etarismo’ e suas consequências em todos os painéis onde se discuta a diversidade, bem como nas Conferências Estaduais e Nacional, objetivando a visibilidade e a efetivação dos direitos dos idosos. As comissões na OAB devem elaborar trabalhos escritos, pareceres, promover pesquisas, seminários e eventos que estimulem o conhecimento, discussão e a defesa dos direitos da pessoa idosa. Deve ser discutido amplamente de que maneira a OAB pode influir no cumprimento da Política Nacional de Saúde da População Negra, tendo em vista ser o direito fundamental à saúde condição ‘sine qua non’ para uma democracia participativa com pleno exercício de direitos.
A omissão ante a violação dos direitos fundamentais em função da idade caracteriza desobediência aos preceitos constitucionais, principalmente ao direito à dignidade, direito à saúde, direito à vida e direito a um envelhecimento digno. Descerrar o véu de invisibilidade da velhice negra implica em refletir, identificar e reconhecer suas demandas específicas, concentrando estratégias a fim de fomentar a criação de políticas públicas para dirimir os efeitos da desigualdade racial. A compreensão fática do racismo e suas implicações abre a possibilidade do desenho de um novo e abrangente projeto social e político de enfrentamento aos paradigmas da velhice, em prol da construção de uma vertente identitária e inclusiva.
*Lenny Blue é cofundadora do Movimento Negro Unificado-SP, membro do IANB – Instituto Advocacia Negra Brasileira e vice-presidente da Comissão Verdade Sobre a Escravidão Negra no Brasil da OAB SP.