Raça Indica: livros
Por: Marcio Barbosa
A RAÇA sempre evidencia a importância da literatura, e o quanto ela nos enriquece de conhecimento. Essa semana temos três indicações para você que adora ler. Leia abaixo.
E FOI ASSIM QUE EU E A ESCURIDÃO FICAMOS AMIGAS
Emicida
A leitura é um hábito que deve ser estimulado desde a infância, por isso é importante oferecer às crianças livros em que elas possam se ver, se descobrir e entender a cultura da qual elas são parte. Os livros de Emicida trazem para a literatura e para o imaginário infantil a poesia do hip hop e isso é muito importante. Em seu novo trabalho, o autor fala sobre duas crianças; uma delas tem medo da escuridão: “Sempre que a escuridão vinha / Eu dizia / Papai, deixa uma luzinha”. A outra criança tem medo da “claridão”: “Quando o primeiro raio de sol / Brilhava / Não muito longe, ela via e falava: / Mamãe, me protege da claridão”. O livro aborda o medo, e o que toma forma e acaba aparecendo no livro, assim como a coragem, personificada como uma mulher. O texto mostra que o medo não pode ser encarado como uma coisa necessariamente ruim, mas como algo que nos alerta do perigo. Mostra também que não podemos deixar o medo nos paralisar. Assim, entender a escuridão e a “claridão” e tentar viver em harmonia com elas é, para as crianças, também compreender suas fraquezas e seus pontos fortes. Os adultos, inclusive, fazem com que o escuro seja associado a coisas ruins no imaginário das crianças. Mas é preciso lembrar que a escuridão pode ser aconchegante.
Com maestria, Emicida faz seus leitores e leitoras compreenderem que não se pode ter medo de viver e, com
uma poesia que tem muito ritmo e sonoridade, o livro nos mostra que, para viver e ser feliz, também é necessário alimentar a coragem.
INOVAÇÃO ANCESTRAL DE MULHERES NEGRAS: TÁTICAS E POLÍTICAS DO COTIDIANO
Bianca Santana (organizadora)
Esta coletânea traz vinte e seis autoras de diferentes faixas etárias. Os relatos aqui reunidos são autobiográficos
e o propósito do livro é trazer à tona as experiências positivas que possibilitam com que mulheres negras
superem as dificuldades sempre evidenciadas pelos indicadores socioeconômicos. Quais forças permitem
a essas mulheres sobreviverem às condições sociais adversas? A partir de cada narrativa, de cada experiência,
pode-se ver que as estratégias sempre apontam para a necessidade de partilha, de colaboração, de valorização
dos saberes passados de geração em geração. Os relatos foram escritos em primeira pessoa, e isso permite que
eles venham carregados com a emoção das autoras, especialmente quando elas falam de suas mães, avós
ou de suas tias, isto é, daquelas cuja luta, afeto e saberes permitiram que cada filha, neta ou sobrinha seguisse em frente. Além disso, a gravidez na adolescência e o contato com o oculto, por exemplo, são outros dos muitos temas abordados no livro. Um relato tocante é o da saudosa poeta Tula Pilar, que fala sobre sua infância de pobreza extrema, sobre sua trajetória de superação, incluindo seus amores e o fato de ter conseguido dar uma boa educação a seus filhos, e sobre como acreditava que a literatura lhe traria coisas muito boas. Certamente, a leitura dos depoimentos pode trazer a cada leitora ou leitor luzes para interpretar sua própria vida.
COPO QUEBRADO
Alain Mabanckou
Nesta excelente obra, o escritor congolês Alain Mabanckou nos convida a mergulhar numa vertiginosa narrativa que transborda de referências a situações existenciais, sociais e políticas da África contemporânea. Copo Quebrado é o nome do narrador personagem que recebe do dono do bar que ele frequenta a missão de escrever sobre o local. Os personagens vão se apresentando para contar suas histórias, que são narradas como um fluxo de consciência, sem letras maiúsculas nos inícios de parágrafo, o que pode dificultar a leitura no começo, mas logo mergulhamos nas memórias dos frequentadores do bar O Crédito Acabou e somos surpreendidos. Há histórias trágicas, doloridas, mas narradas de um modo impactante; há relatos em que o absurdo da vida sobressai e acabamos dando risada das situações cômicas que o livro nos mostra. Há personagens marcantes, como o homem que usa fraldas, ou o impressor que foi a Paris, casou-se com uma mulher branca e foi parar num hospital psiquiátrico, ou ainda a mulher e o homem, frequentadores do bar, que se envolvem numa surreal disputa para ver quem urina por mais tempo. O livro aborda ainda um assunto muito sério, que é o alcoolismo, e ficamos pensando que o copo se quebra para muitos em alguns momentos da vida.
Somos levados a pensar também que, quando isso ocorre, é necessária muita força de vontade para superar essa situação de desesperança, a dependência alcoólica, assim como é necessário o apoio e o afeto dos que estão próximos. No fim, o narrador Copo Quebrado nos conduz por inspiradas histórias, referências a outros livros e críticas bem-humoradas que nos divertem e fazem refletir.