“Sonho meu, sonho meu”…

Há uma semana, estava com os olhos pregados na TV e os ouvidos atentos, para a aula de cidadania proferida pelo Professor Doutor em Filosofia e Teoria do Direito, Silvio Almeida. Foi uma lição que de há muito não víamos nos veículos de comunicação brasileiro. Silvio Almeida discorreu com serenidade, firmeza e apuro a complexidade de que é revestida a questão racial brasileira. Não buscou o caminho fácil dos slogans e palavras de ordens conhecidos de todos nós e que assim como os inseticidas, já foram absorvidos pelas baratas e os racistas de plantão.

Silvio, afirmou de forma corajosa que: “Sem espaço do sonho, a vida vira pura miséria”. E avançou de forma demolidora na tese de que para combater o racismo precisamos ser superficiais, pois nosso povo não possui capacidade de compreensão: “a crise brasileira é também uma crise intelectual. A ditadura não apenas matou a nossa democracia, mas devastou a nossa intelectualidade e nossos centros de produção intelectual”.

Essa resposta lavou minha alma. Ainda mais no contexto que estamos vivendo, onde o obscurantismo e a ignorância caminham de mãos dadas e não apenas na extrema direita. Do mesmo modo que precisamos nos unificar para combater o retrocesso e defender a democracia, precisamos, mais do que nunca valorizar o pensar, o refletir e o sonhar. Temos que ter coragem de romper com a mesmice e dar um basta na tese de que carteira assinada e comida na mesa debelará o estado de miséria do nosso povo.

Temos que ousar sonhar, para poder ousar mudar. A naturalização do racismo no Brasil possui raízes profundas e é fruto de uma trama política, institucional e social das mais complexas e sólidas. Não a derrotaremos se também não formos criativos e ousados. E para tanto, o sonho é fundamental. Além disso, temos que nos voltar para a construção de alianças, que de um lado incluam a pauta racial na agenda política e de outro a democracia esteja na pauta racial. Até porque, em que pese a urgência da pauta racial, ela não sobreviverá se não assegurarmos o regime democrático. Sem democracia não haverá luta contra o racismo, nem contra a homofobia ou a misoginia. As pautas identitárias não podem nem devem substituir as pautas gerais, mas sim somar-se a elas.

E tudo isso, esteve presente nas reflexões de Silvio Almeida no Roda Viva. Foi num momento de raro frescor ideológico, de pensamento agudo sobre as mazelas do país, nessa selva de mediocridade que assola o Brasil. E o momento não poderia ser mais oportuno, até porque vivemos não apenas uma crise sanitária, mas também uma crise econômica e uma crise política que desagua numa crise de identidade cultural das mais profundas.

O que temos hoje é uma janela de oportunidade para a ampliação da nossa luta. O pacto do “me engana que eu gosto”, onde – como diz o Diretor Executivo da RAÇA, Maurício Pestana – “o negro finge que não é discriminado e o branco finge que não discrimina” e os dois vivem um pacto macabro onde uma das partes tem sido dizimada, social, econômica e politicamente, consciente ou não, está sendo rompido. E mais uma vez, de fora pra dentro. Daí, nada mais apropriado que o reposicionamento tático e estratégico do movimento negro na luta de combate ao racismo.

Portanto vou seguir a risca o exemplo de Silvio Almeida “Da minha parte vou estudar mais. Vou escrever mais. Vou dialogar mais. Vou conhecer mais e mais o meu país e o mundo para que eu possa fazer o que para um homem negro latino-americano é um ato político: ser um intelectual”.  

Toca a zabumba que a terra é nossa!

 

*Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da RAÇA, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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