Touca de natação para cabelo afro causa debate nas Olimpíadas

Antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio, que começam na próxima semana, membros da Federação Internacional de Natação (FINA) estão reconsiderando a proibição à touca de natação projetada para cabelos negros.

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O produto, conhecido como Soul Cap, foi idealizado para acomodar texturas de cabelo mais grossas e encaracoladas, para fornecer um melhor ajuste e proteger os fios do cloro. A FINA se recusou a comentar sobre a situação do processo de reavaliação, mas um comunicado, divulgado em 2 de julho, disse que o corpo diretivo estava “atualmente revisando a situação com relação ao ‘Soul Cap’ e produtos semelhantes, entendendo a importância da inclusão e representação”.

A mudança vem após uma reação adversa e uma entrevista em que os fundadores do Soul Cap disseram à BBC que o raciocínio da FINA por trás da decisão inicial era que “os atletas que competem em eventos internacionais nunca usaram, nem exigiram o uso, de toucas de tal tamanho e configuração”, e que o Soul Cap não segue “a forma natural da cabeça.”

A declaração da FINA do início do mês diz que o órgão regulador está “comprometido em garantir que todos os atletas de esportes aquáticos tenham acesso a trajes de banho adequados para competições desde que esse itens não confiram uma vantagem competitiva”.

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A Soul Cap foi inventada em 2017 na Grã-Bretanha por Michael Chapman e Toks Ahmed-Salawudeen. Durante a aula de natação para adultos, os dois notaram que os nadadores negros podem se beneficiar de uma touca projetada com espaço extra para caber em estilos de cabelos naturais mais volumosos, como tranças, dreads e afros.

Os fundadores se inscreveram para registrar oficialmente seu produto na FINA para uso em competições olímpicas e foram negados. Não há restrição para toucas de natação Soul Cap para fins recreativos e de ensino.

Lia Neal, duas vezes medalhista olímpica que fez história como a segunda nadadora negra a integrar a equipe olímpica dos EUA, nunca usou o Soul Cap, mas acha que a reação que a FINA enfrentou para sua decisão inicial foi um progresso para o esporte em geral.

— Isso é muito maior do que proibir um tipo de touca — disse ela.

Exclusão das piscinas

Um estudo de 2020, publicado no “International Journal of Aquatic Research and Education”, relaciona a “exclusão sistemática de piscinas públicas” com jovens negros tendo 2,6 vezes mais probabilidade de morrer por afogamento, já que a natação não é apenas um esporte, mas também uma habilidade potencialmente salvadora.

De acordo com Danielle Obe, presidente e fundadora da Black Swimming Association, uma organização na Grã-Bretanha que se concentra em aumentar a diversidade em esportes aquáticos, a inclusão é o primeiro passo para tornar os nadadores negros mais visíveis e mais dispostos a entrar na água.

— Queremos ser incluídos, tudo o que pedimos é que tenhamos a opção de ter um equipamento desenhado para atender a questão do nosso cabelo, que é uma barreira significativa para a participação na prática aquática como um todo. Se a FINA estivesse ciente de que essa era uma grande barreira para nossa comunidade, acho que a decisão teria sido tomada de forma um pouco diferente — disse Obe.

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Embora as toucas feitas por grandes empresas de equipamentos esportivos como a Speedo sejam há muito tempo a escolha tradicional em esportes aquáticos, o Soul Cap é simplesmente uma opção alternativa, disse Obe. Feita de silicone, ela não difere materialmente de muitas outras toucas. Paradoxalmente, por ser maior do que a maioria das toucas de natação, pode ser vista por muitos nadadores como uma desvantagem competitiva.

Mesmo além do mundo do esporte de elite, a legislação em torno do que é ou não aceitável para cabelos negros tem sido um ponto de discórdia e, em alguns casos, simplesmente racista.

Em 2019, a Califórnia se tornou o primeiro estado a proibir a discriminação natural do cabelo quando o Senado estadual aprovou a chamada Lei da Coroa (do inglês “Crown”, sigla que significa “Criando um mundo aberto e respeitoso para o cabelo natural”). Legislação semelhante aprovada em Nova York, Delaware e Nebraska, entre outros estados, impede que empregadores e escolas públicas proíbam penteados como trancinhas ou penalizem funcionários negros e estudantes atletas por escolherem pentear seus cabelos de maneiras culturalmente específicas.

Desafio extra

Neal, 26, que é de ascendência negra e chinesa e começou a nadar aos 6 anos, disse que a saúde de seu cabelo naturalmente cacheado foi um sacrifício que ela sabia que teria que fazer durante sua carreira como nadadora de competição. Ela anunciou sua aposentadoria da natação em maio deste ano.

Ao usar uma touca de natação padrão, “provavelmente, na prática, estou puxando minha touca mais de 20 vezes”, disse ela.

— É um obstáculo, um incômodo com o qual muitos dos meus colegas não precisam se preocupar, porque eles não precisam usar o mesmo tipo de produtos para o cabelo que eu uso — acrescentou ela.

Erin Adams, uma médica de 31 anos que cresceu nadando na South Central Swimming League, em Los Angeles, e mais tarde competiu como nadadora da Divisão I na Universidade de Columbia, disse que fazer parte de uma equipe cheia de nadadores negros e pardos a estimulou a amar o esporte na escola.

Mas ela percebeu que quando se formou no ensino médio e foi para a faculdade, o número de nadadores que se pareciam com ela diminuiu. Ela acredita que seja, em parte, por causa do cabelo.

A decisão da FINA, disse ela, parece – mesmo que apenas simbolicamente – mais uma barreira para nadadores negros participarem do esporte, especialmente para mulheres negras que “geralmente têm mais cabelo”.

— Somos sempre policiados sobre o que podemos vestir, como é a aparência de nossos corpos e como é nosso cabelo. Eles estão apenas tentando dificultar a nossa participação.

Miles Simon, um estudante de psicologia júnior de Atlanta que nadou nos testes para a Olimpíada de Tóquio neste verão, disse que só queria entender a proibição.

— Agora eu simplesemente não posso enteder por que algumas dessas regras ou proibições estão em vigor — disse Simon. Ele planeja competir para ingressar na equipe olímpica em 2024.

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