Uma Procuradora do Ministério Público na luta pela igualdade racial

Poucos diriam que aquela menina da periferia de São Paulo, filha de pais nordestinos, chegaria a um dos mais altos postos do Direito em nosso país: o cargo de Procuradora do Ministério Público do Trabalho. E mais! Era inimaginável que toda a sua vivência e experiência de mulher negra estaria a serviço da luta pela desigualdade racial. 

Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Valdirene Assis, mestre é pós-graduada em Human Rights pela Universidade de Coimbra. Além disso, coordena a Coordigualdade do MPTSP – Ministério Público do Trabalho e está à frente do Projeto Nacional de Inclusão de Jovens Negras e Negros do MPT, trabalhando para que as empresas tenham um olhar especial para as desigualdades raciais. Conheça mais nesta entrevista exclusiva.

Conte-nos um pouco de sua trajetória, desde sua origem humilde ao cargo atual de Procuradora no Ministério Público do Trabalho.

Meus pais são nordestinos e migraram para São Paulo, fixando-se na periferia da cidade, onde cresci ao lado de meu irmão. Família pequena, mas de muita exigência para que esses filhos se dedicassem à vida escolar. Meus pais diziam que isso mudaria as nossas vidas no futuro. Senti um afeto especial de professores e colegas de turma justamente pelo excepcional desempenho escolar que eu tive, desde sempre. Isso me guiou, não só na infância, mas na adolescência e na fase adulta. Ao abraçar uma carreira que me orgulha muito, ingressei numa Instituição da qual tenho muita alegria de fazer parte e essa é a grande consagração do trabalho de uma vida de estudos. É a devolutiva que faço aos meus pais.

Quais os maiores obstáculos que encontrou nessa caminhada?

Os obstáculos da trajetória profissional da pessoa negra começam na infância e guardam relação com a questão racial. É muito difícil entender e se convencer de que todos os espaços sociais são possíveis; a ausência de uma pessoa na sua família que já tenha uma vivência universitária é algo que vai dificultar muito o seu acesso ao ensino superior. Você precisa buscar por meios próprios todas as informações e referências para entender quais os caminhos que deve seguir para chegar até a universidade. É muito difícil, quando lá está, interagir com os seus colegas, porque encontramos muitos que são oriundos da classe média alta e o choque cultural é inevitável. Além disso, você não sabe quais são as possibilidades, uma vez formada, porque algumas pessoas têm quem abra portas profissionais e você não tem essa rede de proteção. Quando conseguimos superar essa fase de estudante, a fase acadêmica e passamos no concurso público, encontramos um ambiente em que não somos recepcionados por outros como nós. Dentro do Ministério Público, você não vai encontrar muitos negros, não encontrará, portanto, referências. Quanto mais você ascende na vida estudantil ou na carreira profissional, mais solitário você se sente. Essa sensação de ser exceção é algo muito difícil de ser experimentado e ser superado cotidianamente.

A senhora já se sentiu discriminada pelo fato de ser mulher e negra?

Toda pessoa negra no Brasil já foi vítima de discriminação racial, seja ela direta ou situações próprias do racismo estrutural. Já na condição de Procuradora do Trabalho, recordo de haver um prédio no Judiciário no qual havia dois acessos, um com uma esteira para o controle de bolsas e detector de metais, e outro em que as pessoas passavam livremente. Apresentei-me, falando simplesmente “bom dia”. O segurança me encaminhou ao acesso geral, acesso da esteira e do controle de detector de metais. Eu disse a ele que eu era membro do Ministério Público, ele pediu para ver a minha identidade profissional. Quando apresentei, ele me encaminhou para o acesso próprio de membros do Ministério Público. Isso é uma canção clássica de leitura social dos corpos negros.

Procuramos pouco o Ministério Público. Seria por conhecermos pouco este serviço?

O Ministério Público trabalha pela conscientização social e realiza campanhas e muitas outras atividades para informar a sociedade sobre seus direitos e quais os canais possíveis de serem utilizados numa eventual situação de violação a esses direitos. Muitas vezes denúncias não chegam porque as pessoas desconhecem que o seu direito foi lesado ou a quem recorrer. É importante que o movimento negro saiba que deve provocar o Ministério Público. O diálogo social é uma das ferramentas que o MP utiliza para melhorar as suas práticas, para melhorar a estruturação da sua atuação. Quanto mais o movimento negro procurar e dialogar com o MP, melhores serão as respostas às demandas da população negra do nosso país.

A presença negra nos meios de comunicação, sobretudo nas três maiores emissoras de TV do país, chegou às suas mãos?

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jornalista CEO e presidente do Conselho editorial da revista RAÇA Brasil, analista das áreas de Diversidade e inclusão do jornal da CNN e colunista da revista IstoÉ Dinheiro

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