Raça Indica: cinco livros para fechar o novembro negro
Cinco livros de literatura negra para fechar o novembro negro
A Cor Púrpura, de Alice Walker
Deus é mulher? Quero acreditar que sim. Só uma mulher poderia de fato ouvir e atender as súplicas de Celie, personagem principal do livro “A Cor Púrpura”, lançado em 1982 pela aclamada escritora norte-americana, Alice Walker.
O livro narra, em 335 páginas, a vida dura, cheia de violências e privações de Celie. Uma jovem doce, temente a Deus (achismo meu) e com poucos desejos – entre eles, o de salvar a irmã mais nova das garras do pai predador.
“Querido Deus, Eu tenho quatorze ano. Eu sempre fui uma boa minina. Quem sabe o senhor pode dar um sinal preu saber o que tá contecendo comigo”.
A redenção de Celie chega muito tempo depois, quando ela vai encontrando força e cumplicidade com outras mulheres. Ela toma consciência de si, descobre-se bela, interessante e atraente. Essa descoberta vai surgindo nas trocas de cartas com sua irmã Nettie e depois na companhia da destemida Sofia e da ousada Shug.
“A Cor Púrpura” é um best-seller (sucesso de vendas), foi traduzido em muitos idiomas ao longo dessas quase quatro décadas. É também premiadíssimo e já virou filme homônimo, dirigido por Steven Spielberg, e estrelado por Whoopi Goldberg (Celie), Oprah Winfrey (Sofia), Danny Glover (Albert) e Margaret Avery (Shug Avery).
Balada de amor ao vento, de Paulina Chiziane
Em Balada de amor ao vento, Paulina Chiziane apresenta uma história de amor, às vezes de amor pelos outros, pelos filhos, pela família, às vezes de amor próprio, aquele necessário para sobreviver.
Publicado pela primeira vez em 1990, Balada de Amor ao Vento correu o mundo e descreve os encontros e desencontros de um casal, Sarnau e Mwando, ao longo do tempo. São tantos desafios que a única coisa que a protagonista Sarnau deseja, ou me fez pensar que deseja, é a paz. Um amor apaziguador, aqueles que só encontramos, acho eu, em um coração cansado. Como pano de fundo, estão os conflitos internos e externos, os juízos e a moral impostos pela cultura, a esperança e a fé.
Como a própria autora faz questão de enfatizar, não se trata de um romance. O livro é uma contação de histórias que Paulina Chiziane ouviu à beira da fogueira e que usa como inspiração ao escrever livros como esse.
O homem sem malícia, de Zé Irineu Filho
Eu odiaria o Gabriel Ferreira Filho se o encontrasse na rua, simplesmente pelo fato dele ser tão comum e complexo como a maioria dos homens negros que conheci na vida. Quase nunca sóbrio, é palmiteiro convicto e vive, literalmente, do dinheiro alheio ou do que conseguiu ganhar no jogo – poquer profissional. Gabriel Ferreira Filho, ou apenas Gabi, é o personagem principal do livro “O Homem Sem Malícia”, de Zé Irineu Filho.
Gabriel apresenta todo tipo de estereótipo e também sinceridade que um homem negro, jovem – quase maduro -, criado de bar em bar, na maior cidade do país, pode apresentar. Por si só, isso poderia ser uma história de obviedades. Não é. É sobre a complexidade da construção e desconstrução da masculinidade negra na atualidade.
Gabriel Ferreira Filho seria impossível enquanto personagem sem que Zé Irineu Filho existisse e o deixasse sair por meio de um texto duro, real, direto, excitante [sim, contém partes picantes] e, ao mesmo tempo, delicado.
Gabi é, sem dúvida, um homem sem malícia. É apenas um inconformado e carente de amor.
O livro publicado em 2020 pela editora Córrego, com 114 páginas, é um clássico da literatura marginal.
Cães, de Júlia Grilo
Como um personagem tão simples pode render tamanha complexidade? Como uma cadelinha vira-lata, preta como café, pode mexer com as nossas convicções mais nítidas sobre a humanidade ou a falta dela?
Ao narrar a história de Cafeína, ou simplesmente Café, uma cadelinha que deseja ser o mais humana possível, Júlia Grilo perturba a mente do leitor ao narrar as atitudes e os pensamentos da cadela, desde a tenra infância até a senioridade.
As descobertas e tropeços de Cafeína acontecem ao mesmo tempo que a personagem coadjuvante da história, que tem o papel de narrar em primeira pessoa tudo o que acontece, também cresce e questiona o quanto de animal existe nela e o quanto de humano existe na cadelinha.
Em determinado momento do livro, a humanidade de Cafeína é comprovada e essa constatação passa pela possibilidade de liberdade. Ela se entende humana quando consegue fugir, ainda que ao final da história abra mão disso e retorne ao cativeiro, lugar que ela, obviamente muito mais esperta e “vivida”, ressignifica.
Essas reflexões estão presentes em toda a obra, de 154 páginas, publicada pela editora Penalux, neste ano de 2021. Assuntos complexos como maternidade, racismo, desejo, sexo, violência, relacionamento intrafamiliar e muitos outros são discutidos, entre um e outro abanar de rabo.
Olhos d’água, de Conceição Evaristo
Olhos d’água, de Conceição Evaristo, foi lançado em 2014 e está entre aqueles livros que simplesmente não conseguimos parar de ler até chegar na última página.
Logo na introdução, Jurema Werneck dá a letra e adverte que o lugar de “mero ouvinte é desautorizado” e complementa: “nesta literatura/cultura, a palavra que é dita reivindica o corpo presente. O que quer dizer ação”.
A introdução de Jurema Werneck é um convite para se juntar às histórias, uma antologia de contos, cujo boa parte deles foi originalmente publicados na série “Cadernos Negros”.
É muito fácil se identificar com eles, sobretudo se você for uma mulher negra. Conceição, com perfeição, te coloca na cena, descreve sentimentos e sensações. Te bate na cara, te faz chorar, te dá esperança, te tira a esperança e, sobretudo, te dá lugar enquanto pessoa negra em uma elegante narrativa.
As inúmeras personagens presentes no livro, parece que de forma proposital, nos ensinam a viver. No conto “Ayoluwa, a alegria de nosso povo”, é impossível passar despercebida pelo trecho: “e quando a dor vem encostar-se a nós, enquanto um olho chora, o outro espia o tempo procurando a solução”.
Não à toa que a obra de Conceição Evaristo foi contemplada no ano seguinte, 2015, com o terceiro lugar na categoria Contos e Crônicas do Prêmio Jabuti.
“Raça indica”
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